sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Abundância e abandono


Leia só este pedacinho, está no conto A Hora e Vez de Augusto Madraga, e é uma coisa que a gente passa, sente e vivencia quando anda de bicicleta pelos caminhos da roça, e é um trecho do último conto do livro Sagarana, de João Guimarães Rosa:
“E todos sentiram muito sua partida. Mas ele estava madurinho de não ficar mais e, quando ficou no sozinho, espiou só para frente e logo começou a cantar. Tudo era mesmo bonito, como são todas as coisas nos caminhos do sertão. Quando tinha sede bebia, aparada nas mãos, a água das frias cascatas dos morros que caem com tom de abundância e abandono”.
Às vezes, quando bebemos de uma fonte assim, brincamos com os colegas: Ei, você deixou a bica aberta! Mas pode, longe da cidade pode. Ali a água escorre sem fim e vendo aquele esparrame fica-se grato e feliz. O respeito cresce, o cuidado com o equilíbrio da natureza que nos recebe de braços abertos, como mãe que é, torna-se parte do comportamento da gente.
Mas vendo aquele farto jorrar de água me faltava as palavras certas para descrever o que sinto, até que li e Guimarães Rosa coloco-as em meu coração: “caem com tom de abundância e abandono”. Esta é a magia de quem na imensidão das palavras consegue escolher justinho aquelas que descrevem nossas emoções.
Obrigado Pai, pelas águas cristalinas e pelos escritores.

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