quarta-feira, 19 de maio de 2010

Dialética e lógica não são sinônimos


e a compreensão delas edifica os homens. Platão, conforme conta Sócrates em Sofismas, definiu a primeira como sendo um debate de idéias e a segunda como a ciência que estuda as leis do raciocínio. Aristóteles em sua obra Retórica usa o termo "lógica" para os dois casos: lógica para convencer e lógica para estabelecer a verdade.
Por que isto tudo é importante? Quando duas ou mais pessoas se encontram, cada qual com sua história, para que haja uma afinidade de idéias é sábio se usar os princípios da lógica - raciocinando com os que pensam diferente - e da dialética - diálogando para que se faça um encontro entre o que a outra parte acredita e o que entendemos como verdade.
"La Lógica, ciencia del razonamiento, del procedimiento de la pura razón, podría entonces ser construida genuinamente a priori [suas leis aplicando-se a todos os casos]. Y la Dialéctica, mayormente sólo en forma a posteriori [cada caso precisando de argumentos próprios], del conocimiento derivado de los medios que dos individuos utilizan entre sí para hacer valer su forma de pensar individual", disse Shopenhauer.
Os problemas em uma conversa de aprendizado começam quando ambos acreditam saber a verdade.
"Cuando A descubre que los pensamientos de B sobre el mismo tema distan de sus propios, A no revea su propio razonamiento para encontrar el error: esto significa que el hombre es, por naturaleza, ergotista".
Nesta situação ainda há esperança dos dois aprenderem? Há, se pelo menos um pensar antes de responder, porque se "el argumento era inválido; pero existía otro argumento, este sí, válido para nuestra afirmación: el argumento redentor sólo no nos ocurrió de inmediato".
Então, a dialética exige de quem quer ensinar uma mente vivaz, que consiga pensar nos diversos argumentos, e tranquilidade para ter tempo de pensar. Então, o que sei posso doar àquele que também sabe alguma coisa, mas não o que aprendi estudando. Mas, se aquele não quiser aprender mais nada, então é melhor procurar outro alguém com quem valha a pena usar a dialética e a lógica.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Falemos do inominável!


"Mudam os dogmas e é falaz o nosso saber, mas a natureza não se engana jamais: o seu passo é seguro e ela não o esconde. Tudo nela é completo e ela efetivamente é completa em tudo. A natureza tem o seu centro em cada ser animado: o animal encontrou com segurança o caminho para entrar na existência, como com segurança o encontrará para sair dela: nesse entretempo vive sem temor da morte e sem cuidados na consciência de ser a própria natureza e como ela imperecível".
Palavras de Schopenhauer, palavras da razão. Mas nós, os humanos, realização máxima da natureza não nos conformamos com a morte. É natural nosso antropocentrismo, cada qual se sente o centro da natureza. E tem uma razão, não nos deixar pensar no inominável.
"O homem, somente o homem, leva consigo a convicção abstrata da própria morte. Mas, coisa estranha!, tal convicção não o inquieta senão a intervalos, quando alguma circunstância lhe evoca à mente. No homem, portanto, como no animal que não pensa, reina permanentemente esta segurança, oriunda da consciência profunda de ser ele próprio a natureza e o mundo; o que impede que o sentimento duma morte inevitável e sempre iminente o torture de modo demasiado vivaz, enquanto lhe permite levar avante tranquilamente a vida, como se esta nunca tivesse que cessar; isto chega até mesmo a tal ponto, que se poderia afirmar que nenhum homem possui a convicção real e viva de que tem de morrer; sem o que não poderia subsistir uma diferença tão grande entre o seu estado habitual de espírito e o dum condenado à morte".
Um princípio dentre de cada um, como um giroscópio, nos mantêm na rota: este sou eu, este momento, este em que vivo.
"Cada um possui, a bem dizer, a certeza da morte in-abstrato e em teoria, mas cada um a põe de parte, como se costuma fazer com muitas verdades teóricas que não encontram aplicação prática, e não lhe dá nunca acesso na sua consciência vivente".
Este sou eu.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

A Alegria dos Excepcionais


Há um lugar que gosto de ir e que Malu se diverte muito, a APAE de Volta Redonda. Aproveito e levo o carro cheio de recicláveis que a associação vende e faz dinheiro. Em um quintal amplo, onde além das construções tem uma horta grande e uma área com mata, Malu corre, procura bichos e sente cheiros estranhos. Mas o melhor é o bom astral do lugar. As crianças com síndrome de Dowm ou com retardo cerebral são alegres e se aproximam dela temerosos, mas felizes, e ela deixa que passem as mãos em seu cabelo encaracolado e macio.
Em todos os tempos estas pessoas excepcionais, ao invés de ser triste eram inocentemente alegres e faziam os outros rir. Na idade Média eram escolhidos para divertir, tanto os nobres nos salões quanto o povo em praça pública. Mijail Bajtín (1895-1975), filósofo russo, conta em La cultura popular en la Edad Media y en el Renacimiento:
"Lo mismo ocurría con las fiestas agrícolas, como la vendimia, que se celebraban en las ciudades. La risa acompañaba también las ceremonias y los ritos civiles de la vida cotidiana: así, los bufones y los tontos, gigantes, enanos y lisiados, y payasos de diversos estilos y categorías, asistían siempre a las funciones del ceremonial serio, parodiando sus actos (proclamación de los nombres de los vencedores de los torneos, ceremonias de entrega del derecho de vasallaje, de los nuevos caballeros armados, etc.). Ninguna fiesta se desarrollaba sin la intervención de los elementos de una organización cómica; así, para el desarrollo de una fiesta, tenia la elección de reinas y reyes de la risa. Estas formas rituales y de espectáculo organizadas a la manera comica y consagradas por la tradición, se había difundido en todos os países latinos, especialmente en Francia, y presentaban una diferencia notable, una diferencia de principio, podríamos decir, con las formas del culto y las ceremonias oficiales serias de la Iglesia o del Estado feudal. Ofrecían una visión del mundo, del hombre y de las relaciones humanas totalmente diferente, deliberadamente no oficial, exterior a la Iglesia y al Estado; parecían haber construido, al lado del mundo oficial, un segundo mundo y una segunda vida a la que los hombres de la Edad Media pertenecían".
Os homens e mulheres que não eram "normais", mas eram cheios de alegria inocente, contribuíam para melhorar o mundo. Não é um paradoxo, aqueles que nós supomos sofredores, têm no coração uma paz e alegria [uma doação divina?] que nos falta? À nós, que choramos de barriga cheia.
"Los bufones, gigantes, ananos, alisiados y payasos son los personajes característicos de la cultura cómica de la Edad Media. Como tales, encarnaban una forma especial de la vida, a la vez real e ideal. Se situaban en la frontera entre la vida y el arte (en una esfera intermedia), ni personajes excéntricos o estúpidos ni actores cómicos. En cierto modo, los vehículos permanentes y consagrados del principio carnavalesco en la vida cotidiana".
Por isto eu e Malu aguardamos ansiosos o dia de levar reciclados à APAE.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

O Caminho Estreito


Quando era um homem jovem me impressionava uma propaganda de cigarro que depois de nos deixar ver um homem e sua bela mansão, sua linda mulher e sua picap incrementada o mostrava fumando e dizia em off: o homem que sabe o que quer. Não eram as coisas que ele possuia e muito menos o seu cigarro de cheiro artificial (que eu só imaginava), mas sua determinação, sua vida em linha reta, sem zigzagues, como a minha.
Schopenhauer diz algumas coisas reveladoras sobre isto.
"Porque, tal como o nosso caminho material sobre a terra não é uma superficie mas uma linha, assim também na vida, quando queremos apoderar-nos de alguma coisa e conservá-la, é preciso que nos resignemos a abandonar uma imensidade de outras. Não saber resolver-se, estender, como as crianças nas feiras, a mão para tudo o que na passagem nos tenta, é uma conduta absurda, é querer mudar em superfície a linha da nossa vida: corremos então em ziguezague, como fogos-fátuos erramos por aquém e acabamos com chegar a nada".
Pessoalmente não gosto das comparações negativas com crianças, suas atitudes, mesmo a de querer provar de tudo na grande feira da vida tem sua razão de ser. Parecendo ter me ouvido ele continua:
"Tentemos outra comparação: segundo a teoria do direito em Hobbes, cada homem em origem possui um direito sobre todas as coisas, mas este direito não é exclusivo; para que se torne tal sobre certas coisas, é preciso que o homem renuncie ao resto e em compensação os outros farão o mesmo em relação ao que foi escolhido por ele".
É isto, não podemos ter tudo o que queremos, mas podemos ser felizes com o que a sorte e nossa vontade nos permitiu alcançar. Então, o filósofo nos aconselha, feito o padre numa homilia:
"Invejar pessoas por posições e condições que convêm ao caráter delas e não ao seu e que o fariam porventura infeliz, lhe tornariam insuportável a existência".

domingo, 9 de maio de 2010

Por que não enriquei?


Em um texto do jovem escritor Chico Mattoso li no papel o que desconfio no mais íntimo de meus sentimentos.
“Ao longo dos últimos anos, e certamente contra sua vontade, Rubinho Barrichello construiu um símbolo tão poderoso que ultrapassou os limites do esporte e virou uma espécie de representante arquétipo do fracasso. Existe algo de místico na figura do azarado. É como se ele tivesse sido ungido por uma força superior que lhe concedeu a capacidade mágica de estar sempre a um passo glória e acabar ficando invariavelmente no meio do caminho. Os grandes heróis brasileiros sempre nos pareceram como se não fizessem parte de nossa turma. É como se Ayrton Senna e Paulo Coelho, Pelé ou Gisele Bündchen fossem areia demais para nosso caminhãozinho”.
Os livros de auto-ajuda insistem que todo mundo pode ser um vencedor, um campeão, enfim, enricar. Mas lembro que na Bíblia tem uma reflexão que, não creio seja pessimista, entendo mais como realista (Eclesiastes cap 4 vers 4: “Descobri porque as pessoas se esforçam tanto para ter sucesso: é porque elas querem ser mais do que os outros. Mas tudo é ilusão, é como correr atrás do vento”.
Como para acrescentar uma opinião sobre a boa e má sorte li um artigo de José Sátiro Santiago: “Ao analisarmos as missões apresentadas por inúmeras empresas, é muito comum lermos que seus colaboradores são seus maiores patrimônios. No entanto, nestas empresas as pessoas são tratadas como simples peças que fazem parte de uma grande engrenagem que é a organização. Então, quando a empresa precisa diminuir seus custos, considera a redução de seu quadro de funcionários como a sua primeira ação. Acho que a declaração de que consideram seus colaboradores seus maiores bens, significa um enorme e equivocado abismo”.
E assim vai, uns ficam outros vão, uns nascem para ser Barrichello outros para Senna. E já vi que nesta vida não vim para enricar. No máximo vim para me distrair muito e chupar muita tangerina.

sábado, 1 de maio de 2010

Lendo o que faz bem


Nélida Piñon, escritora de 20 livros e a primeira mulher a ser presidente da Academia Brasileira de Letras, numa entrevista a Isto É de 24/02/2010, falou da falta de conteúdo e técnica dos escritores de agora: “São livros insignificantes, medíocres, que não o comprometem com o seu destino”.
Ela diz que os autores antigos tinham o que nos dizer: “Para se entender quem somos, deve-se ler Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, e William Shakespeare estabeleceu pautas morais, até metafísicas. Lendo-se o romance Guerra e Paz, do escritor russo Leon Tolstoi se compreenderá tudo o que Napoleão Bonaparte não soube entender”.
Um bom livro é uma viagem, mas mais do que isto. Numa época em que a ansiedade nos aflige tanto e a meditação fica tão difícil de alcançar, ler um livro acalma nossa mente, nos desliga das aflições e temores, e nos dá satisfação. A geração mais jovem, que vai viver num mundo de desenfreadas preocupações, não está sendo preparada para encontrar consolo em um bom livro.
“As pessoas não entendem o que lêem. A leitura induz a processar conceitos. Se ao ler não se entende o que o escritor está dizendo e não se exerce a crítica diante do que lhe está sendo dado, não apreende e passa a ser apenas um escravo da informação”.
Lembra quando começou a dirigir? Como era difícil lidar com os pedais, a direção e ainda manter os olhos e a atenção no trânsito. Quem não sabe ler é assim. Um bom leitor é como um surfista tarimbado voando na crista de uma onda ou em seus túneis, deslisa sobre as palavras percebendo o enredo, o fundo ético, comparando com sua própria história e descobrindo verdades que ainda não vira. O leitor que não conhece as palavras e se arrasta no texto não conseguirá fazer do livro um companheiro para as horas solitárias, tristes ou dolorosas.